Diante do advento da Covid-19, em razão da pandemia do novo coronavírus, momento em que buscamos proteger nossa existência e daqueles que amamos, o encontro com a efemeridade da vida produz efeitos singulares na vivência humana. Somado a isso, cada um de nós experiencia de forma particular as dificuldades atuais. Vejamos:
- A contaminação pelo vírus.
- O acúmulo de atividades em home office.
- A conciliação dos afazeres domésticos com as atividades escolares dos filhos.
- O acompanhamento da situação mundial pelos noticiários.
- O afastamento do convívio com amigos.
- As perdas financeiras.
- A escassez de momentos prazerosos.
- As perdas de parentes e/ou pessoas queridas, dentre outras.
Podemos dizer que atravessamos um momento transitório, um tempo intermediário da doença, no qual a reconstrução psicológica, afetiva e social acontece na medida em que há flexibilização das medidas de isolamento. Após um longo período de confinamento, surge o desejo de retomar os afazeres que trazem sentido existencial. Um recomeçar das atividades, o que se passa com certa insegurança, legado do medo de adoecer emergido com a pandemia. Se o concluir deste momento da disseminação do vírus ainda é aguardado, podemos, então, pensar no que se produz neste tempo de mudanças e ajustes, que impactam diretamente as experiências individuais.
Cada perda impõe um luto, uma despedida, ainda que temporária. A perda de alguém ou de algo importante em nossa vida implica um tempo de recolhimento, no qual o mundo fica desinteressante. Esse processo se estenderá até que possamos integrar o trabalho interno de luto, injetar energia em novas ações e reiniciar a socialização. A possibilidade de elaboração desse processo permitirá fazer reconfigurações necessárias daqui para a frente (FREUD, 1914/1915).
Contrariamente, em alguns casos, o sofrimento pode culminar em diferentes graus de ansiedade, depressão ou estresse pós-traumático, manifestações que exigem uma avaliação profissional (BROOKS, et al., 2020). Cabe lembrar que nem todos os dilemas psicológicos são qualificados como doença; neste momento de pandemia, enfrentamos uma situação nova, com a qual estamos aprendendo a lidar. Esse cenário, visto como oportunidade de pausa, pode nos servir de reflexão sobre o valor daquilo que a pandemia nos privou. O afastamento do que é valioso certamente nos nutrirá de lembranças prazerosas e, com isso, a transitoriedade da vida vai nos ajudar a valorizá-las ainda mais.
Cuidar da saúde mental passa por acolher as perdas e os afetos decorrentes desse fato histórico vivenciado. Sentir-se confuso, perdido e improdutivo são alguns dos efeitos possíveis do encontro com o inesperado. Além disso, as adversidades podem se tornar uma via de aprendizado, na medida em que implicam o reconhecimento de si e dos próprios limites. Nesse processo de ressignificação, a assistência psicológica é um recurso disponível para auxiliar o enfrentamento dos desafios e a invenção de uma saída inédita, muitas vezes difícil, mas possível.
Por: Ingrid Raiol da Silveira e Deborah Melo Ferreira | Psico-oncologistas do Americas Oncologia
Referências
BROOKS, S. K. et. al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence.
Disponível em: <https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8>. Acesso em: 27 jul. 2020.