E, de repente, faz-se o silêncio. Sente-se a angústia. O medo. O sofrimento. A raiva. A dor. A perda de autonomia. Emoções inerentes ao ser humano, evidenciadas em situações-limite como o padecer do corpo. Diante de tantas sensações, o momento do diagnóstico de uma doença crônica e estigmatizante como o câncer traz para o indivíduo diferentes repercussões físicas, sociais e, como visto acima, psicológicas. É um momento crítico, que pode fazer emergir sentimentos ambíguos e dúvidas, que possivelmente o acompanharão durante todo o seu tratamento. A descoberta dessa enfermidade altera muitas, se não todas, as referências em que o sujeito se reconhece, uma vez que sua confirmação marca a saída da rotina, a modificação de planos, o afastamento dos estudos e/ou do trabalho, o dar-se-conta da finitude e, para além, incide em uma nova identidade – a de estar doente.

O paciente, pai, mãe, filho, João, Maria, diarista, advogado, professora…entra em mundo de restrições, vê seu corpo se modificar pelos efeitos da doença e posteriormente do tratamento, tendo de aprender a se encontrar nessa nova condição, ainda que passageira (Pinho, 2016). As marcas inerentes da terapêutica – como a perda do cabelo na quimioterapia; as alterações na pele, na radioterapia; a alteração da imagem e do volume corporal; as cicatrizes, consequentes dos procedimentos médicos, das cirurgias, da colocação do cateter; dentre outros possíveis desfechos – podem deixar marcas tanto externas quanto internas (quando não estão acessíveis ao olhar do outro), gerando intensa mobilização. Tais transformações afetam não somente o paciente, mas também quem está ao seu redor: a família, os amigos, a(o) companheira(o), dentre outros relacionamentos.

É nesse contexto, de total mudança da vida, em que é comum a sensação de perdas e, até perda de estímulo para seguir o tratamento, que o apoio psicológico se faz de suma importância. Neste, interessa não apenas o saber sobre a doença, mas sobre as pessoas que estão doentes. O câncer, como dito, tende a provocar uma ruptura na biografia e, por isso, demanda novas e reiteradas formas de se relacionar com o mundo e com os outros (Aureliano, 2012); além disso, direciona uma renegociação daquilo que é singular da experiência, que é individual, o que somente o sujeito pode sentir e dizer. O que só é possível ser acessado quando o profissional se coloca disponível para escutar sua história de vida e, com isso, tornando possível a produção de novos sentidos para a doença, a vida ou até para o que é, quase sempre, indizível, o sofrimento.

É um espaço no qual se testemunha dor, tristeza, mas também expressão de sentimentos – crescimento, elaboração, solidariedade e resiliência (Gonnelli, 2013). Momento que favorece a apropriação da realidade do câncer, no qual é possível falar sobre ele, na tentativa de dar palavras a essa experiência e minimizar a angústia da vivência da doença. O acolhimento cria pontes para que a identidade seja reincorporada e reinventada, de forma que o sujeito consiga prosseguir, apesar das adversidades. É o cuidar das emoções, que ocorre de forma diferenciada para cada um e que abre um lugar para que se fale o que faz falta e também o que se deseja…apoiando-se na intenção de descobrir um novo caminho, em suma difícil, mas passível de ressignificação. Tal como disse o autor:

Trata-se de um caminho feito de cores e de formas, repleto de significado. Este caminho às vezes, é longo, é cheio de obstáculos, obrigando a recuos e paradas…por ele caminham viajantes solitários ou, por vezes, bandos alegres e ruidosos e todos, ao passarem, deixam traços e restos, pistas e partes; com seus pés, marcam o trajeto, e, com suas mãos, alargam a passagem. Há quem desista logo, quem caminhe um pouco mais e quem, arduamente, chegue até o final, para só então descobrir que este fim bem pode ser só o começo. (Philippini, 2007, pp. 47)

Por:  Ingrid Raiol | Psicóloga do  Americas Oncologia

Referências
Aureliano, W. A (2012). As pessoas que as doenças têm: entre o biológico e o biográfico. In: Gonçalves, M. A.; Marques, R.; Cardoso, V. Z. (Org.). Etnobiografia: subjetivação e etnografia. Rio de Janeiro: 7 Letras, pp. 239-260.
Gonnelli, J. M. M (2013). Cuidados Paliativos Pediátricos: o cuidar para além do curar. In: Cadernos de Psicologia. Desafios no cuidado integral em oncologia. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, nº 1, pp. 67-72.
Philippini, A (2007). Arteterapia métodos, projetos e processos. Rio de Janeiro: Wak.
Pinho, C. T. S (2016). Tornar-se criança com câncer: sobre voz, identidade e corporeidade. In: Cadernos de Psicologia. O corpo na perspectiva interdisciplinar. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, nº 4, pp. 13-18.